Entrevista HITS PERDIDOS - Junho/2020
"A base de 2x veio da sobra de trampos feitos entre 2015 e 2018. A mais antiga a entrar no álbum é CWCG - da época que conheci o omar, em janeiro de 2017. A versão original de CWCG tinha quase 7 minutos e incluia também 600202 (e uma outra parte que foi descartada). Várias músicas eram assim: demos muito longas com diversas partes. Em dezembro de 2018, quando lancei o Som Estendido, um EP tipo checkpoint, composto de algumas dessas demos, lembro de não me conectar com as músicas quando toquei elas ao vivo. O som era muito confuso. Melhor seria separar as partes e ser mais direto."
"A maioria dos trinta e poucos pedaços que surgiram não passavam de 2 minutos. Quando ouvi Whack World da Tierra Whack, uma mixtape de 15 faixas de 1 minuto (algumas nem se resolvem, só cortam do nada), comecei a tentar finalizar as músicas sem passar da marca dos 2 minutos. Encontrei a simbologia do número 2 quando escrevi 2020HIDRA e Na Pele 2x, especialmente o verso "já vivi na pele duas vezes (2x)". Isso conectou tudo. Veio o nome do álbum e o tema. Karma, Yin-yang, Constante de Feigenbaum, Gêmeos (por isso escolhi lançar em junho), Libra, Dois de Paus, Sol e Lua, Luta ou fuga, Eu e Outro, etc etc."
"Já em 2020, um pouco antes do COVID, cheguei a testar elas ao vivo, e isso mudou bastante coisa. Surgiu Nova Lua, que é uma versão alternativa e mais lenta de uma track abandonada chamada Lua; e também Relaxx, que nasceu por conhecer o Deni aleatoriamente numa festa na Luzdelfuego e costurar ali uma parceria. Katze e Vic entraram pra somar também na fase final. Ambas conheço há alguns anos - já tivemos banda e fizemos uma pancada de shows juntos. Com a Katze, fui baterista na gravação e tour do álbum El Rapto da Cora, e na Shower Curtain toquei bateria nos shows e na gravação do EP Something Instead."
"Meu instrumento principal sempre foi a bateria, por isso acabo colocando beat em tudo. É difícil pra mim sentir uma track que não tem um ritmo forte. O som que tentei fazer em 2x são os beats do Kanye West encontram a decadência urbana do King Krule. Chapo nas colagens lo-fi do Standing on the Corner e no flow preguiçoso do Earl Sweatshirt. Mas na hora de cantar tive um longo processo de descoberta de como seriam essas referências internacionais transpostas pra realidade de vida no Brasil e no idioma brasileiro, e por isso cito Gil, Taiguara, Itamar, Racionais, Nill e Sabotage como as referências mais fortes nesse trabalho."
"Tive que cortar muita (muita) coisa pra montar o 2x, porque acredito que no momento dessa virada pra década de 20, só faz sentido a ideia curta e direta. Se o trampo do artista é roubar o tempo das pessoas, estamos trabalhando numa época de crise de tempo. 10 faixas em menos de 30 minutos, 2 minutos cada, só isso vira. Muita coisa ficou de fora e isso é um costume meu, um arquivo extenso de ideias e rascunhos que podem um dia ser finalizados, ou não. No caso, certas coisas de fato foram reutilizadas para estruturar tanto ESCAMA quanto SUBSOLO, principalmente as ideias que eram mais pesadas e mais experimentais."
_____
Entrevista para AZOOFA - Junho/2020
"A: Foram cinco anos de experimentações, pesquisas até esse trabalho. O que você estava buscando nesse tempo musicalmente falando? “2x” era o resultado que você imaginava?
R: A busca principal foi da minha própria voz. Já fiz som em inglês e não era o natural, então era fácil inventar uma voz. Quando mudei pro português, tentei muita coisa que não rolou. Isso foram anos… Mas em uma altura do “2x” saquei que podia cantar como falo no dia-a-dia – e isso foi bom demais. Na produção fui só sentindo o que cada música pedia e como elas se encaixavam no contexto do álbum, muito na tentativa e erro."
"A: Nesse meio tempo você lançou o EP “Som Estendido”, muito violão, bem cru. Ele foi um primeiro resultado dessas experimentações, uma espécie de teste desse som que você buscava ou eram músicas que vinham de outro momento?
R: Acho que as duas coisas. Todas as músicas que tão no “2x” já existiam na época do “Som Estendido” como demos ou ideias. O lançamento do EP e os shows dessa época foram um teste. Percebi que o som tava estranho, porque refletia uma época muito ruim pra mim. No período de um ano e meio entre isso e o “2x”, fiz um esforço de voltar ao mais essencial, sobre o que quero dizer e como dizer. Um pouco da pira com o número 2 veio desse processo, porque todas as músicas tiveram pelo menos duas vidas, duas versões."
"A: Aliás, uma curiosidade: esse seu trabalho começou com o nome Respiradouro, certo? O que esse nome significava? E o nome ainda vale ou agora é apenas Resp?
R: Pra mim esse nome significa “um lugar de respiro”. De 2013 a 2018, eu estive focado nas bandas (Dunas e Veenstra) e sempre sobrava muita coisa. Comecei a soltar as sobras no Bandcamp sem pensar muito, daí o "respiradouro". Aos poucos todas as bandas e o Coletivo Atlas foram acabando. Respiradouro virou Resp porque o projeto não era mais uma válvula de escape, mas o foco principal. O som do nome “Resp” é menos complexo, mais fácil de lembrar e acho que funciona melhor como uma marca."
"A: “2x” é um disco muito urbano. Tem a vibração de uma cidade grande em suas diferentes nuances, em movimento. A cidade é o seu grande laboratório?
R: Com certeza. A cidade tem um lance que eu vejo como amor envenenado, falo disso na segunda parte da “Olhe / Eu Sei”: é uma energia divertida, uma mistura de caos e novidade, mas você sabe que tá te matando. Outro bagulho que veio da cidade em “2x” é a ambição, o poder que planos e sonhos tem no caminho da realização. Isso tá na “Nova Lua”. Nessa track botei a sensação de voltar de busão do trampo, ver a lua entre os arranha-céu, sonhar com uma vida impossível e perceber que onde tô agora também era um sonho impossível no passado. Entende? Cada pessoa tem sua fé, mas todo mundo reza pro Tempo quando faz planos, e ele é sagrado na cidade."
"A: Alguma dessas músicas você chegou a tocar ao vivo, antes da pandemia digo? Como você pretende trabalhar esse disco em meio a esse contexto em que estamos hoje?
R: Sim, e o feedback de quem viu fez a boa pra fase final da produção. Os planos com o álbum tão mais na produção de vários clipes, principalmente porque não curto live em rede social. Não assisto e não tenho vontade de fazer. Prefiro estar focado em produzir material novo. Mas quanto aos clipes, acabei de soltar um da “600202 (Cuidado)” com a Shower Curtain; e tenho dois clipes de faixas inéditas na manga pra segunda metade do ano."
"A: Você sempre esteve no meio de bandas, tocando, produzindo outros artistas. O que muda no seu processo de criação quando se trata de um trabalho seu – fora o poder de decidir tudo rs? Muita liberdade facilita?
R: Eu prefiro trampar sozinho. É mais foda ser o seu próprio filtro, mas isso vem com a experiência. O trabalho coletivo pode ser muito prazeroso quando vira realidade, mas uma coisa é certa: precisa muita paciência, correr atrás dos outros, convencer as pessoas de que vale a pena investir, etc. No solo é você quem toma as decisões importantes, sem atraso nenhum. Mas também não precisa ser completamente solo: Resp por exemplo é cheio de colaboração, tanto na parte do som quanto no visual. E claro, uma coisa não cancela a outra – eu faço o que quero no Resp, mas também trampo em várias bandas."
"A: Em pelo menos duas faixas você fala sobre ser artista, o corre, o retorno do trabalho... Como você sentindo o meio musical nessa pandemia? Espera alguma mudança nesse mercado, no jeito de consumir música?
R: Não poder fazer shows mudou tudo. Não tem mais onde conversar olho-no-olho, vender merch, chegar no público novo, etc. 100% dependência nas mídias agora, e nesse mundo quem tem grana pra botar no trampo sempre ta na frente. O único jeito é ter um trampo fixo e usar o que sobra do aluguel + despesas pra investir no som, é o que eu faço… Sobre o mercado: daora demais uma empresa como Bandcamp fazendo essa promoção que passa mais dinheiro pros artistas, mostra que eles tão ligados na gravidade da situação. Se eles conseguem, Spotify e outros gigantes podiam fazer uma dessas também, né?"
"A: Eu sei que você é do Paraná. Como é que Osasco cruzou seu rolê? Me fala um pouco dessa faixa.
R: Sou de Curitiba, sim. A real é que eu nunca nem pisei em Osasco, no máximo encostei na rodoviária. A letra é um poema da Isabelle Eller que eu li pela primeira vez em 2013. Tem uma passagem que fala da busca pelo sol numa cidade nublada, que é lance muito comum aqui em Curitiba, e isso ficou na minha mente. Anos depois, fiz um show aqui e no after um mano de Osasco veio trocar uma ideia. Disse que a letra bateu pra ele, porque era uma cidade muito feia (risos)."
"A: Você ainda toca com outras bandas oficialmente ou agora é dedicação a este projeto?
R: Tem a ímã, que é uma doidera com 9 membros (e mais vários agregados), um som bem brasileiro, muita percussão e coros, um pouco setentista, poesia avançada. Lançamos um álbum em abril. Eu toco percussão e faço a parte visual, às vezes também toco guita e canto. Tem a Shower Curtain, que é um som dream-pop garageiro da Victoria Winter. Eu só tocava nos shows, mas há pouco tempo compus e gravei bateria das músicas novas, que devem sair num futuro próximo. Além disso, minha banda mais antiga, Dunas, que tá inativa dos palcos desde 2018, tem um som inédito pra lançar no segundo semestre desse ano."
_____
Faixa-a-faixa HITS PERDIDOS - Junho/2020
TEMPO
Recheada de samples, um indie-rock leve e dançante, “Tempo” fala do ofício do artista: criar distrações, “na missão de matar o tempo”. É também sobre mudança: a ideia de que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio, porque a água está sempre em movimento. O álbum foi finalizado a poucos metros do Rio Belém, em Curitiba, e aqui Resp o imagina como os espíritos dos rios do filme “A Viagem de Chihiro”. Ao final, um trecho de entrevista de Clarice Lispector. Questionada se ela se reinventa a cada trabalho, ela responde: “agora eu morri, vamos ver seu eu renasço”.
CWCG feat. omar
Primeira colaboração do álbum, em “CWCG” Resp convida thesea para falar sobre a possibilidade de criar uma nova persona ao se jogar na estrada, já que em outras cidades ninguém te conhece. Os artistas se conheceram nesse contexto, em datas comuns em turnês de suas bandas, em Campo Grande. A faixa também explora o mundo dos sonhos, onde nossas intenções e ambições se expressam sem filtro. Questões sobre movimento e mudança reaparecem: “tenho que andar, não sei criar raiz em nenhum lugar” canta Resp.
OLHE / EU SEI
Escrita no trem em São Paulo, esta faixa é um exemplo da habilidade de Resp de criar verdadeiros portais e combinar canções aparentemente desconexas em uma única. A primeira parte, “Olhe”, um hip-hop alternativo de atmosfera urbana, fala do caos e magia da metrópole, sobre observar e buscar, e como é possível reconhecer verdade nos outros apenas pelo olhar. Brincando com o ouvinte - “tu acha que sabe o que vem agora?” - Resp transiciona para “Eu Sei”, de tema muito mais otimista, onde canta sobre liberdade e perigo, esse amor envenenado da cidade.
NOVA LUA
Cercado de ambiência atmosférica, como olhar a Lua numa noite de névoa, Resp canta sobre um artista com esperança de ter retorno de seu trabalho. Ele sabe de sua função, “meu serviço é roubar teu tempo”, e já tentou diversas coisas, como um camaleão que busca não se repetir e sobreviver. A melancolia nos mostra que talvez não tenha sido bem-sucedido. Enquanto viaja no busão 265 ou 777, o protagonista observa a Lua e procura um tipo de conforto: “diz: ‘fica peixe, a gente ainda vai virar e viver aquelas coisa, as notas de cem’”.
2020HIDRA
Esta faixa é outro exemplo de duas canções dentro de uma. A imagem da Hidra é central aqui, como uma força monstruosa que se multiplica exponencialmente. Na primeira metade, o ritmo frenético parece acelerar e somar cada vez mais artefatos, como várias fichas caindo sobre situações negativas. Esse empilhamento de raivas explode na segunda metade, que, apesar de menos intensa no som, tem uma atmosfera ainda mais ameaçadora. Na letra, Resp conta de dias quentes mas feios, de rolês e goles infinitos e sem sentido, “no sangue, fogo”. Mesmo sabendo que não o leva a nada, ele clama “toda essa raiva… mais!”.
RELAXX feat. Deni
Iniciando a segunda metade do álbum, Resp se une ao rapper Deni, do selo Mandarinas. “Relaxx” tem um beat tradicional de hip-hop, mas os outros samples, melodias e guitarras tornam essa track uma curiosa mistura desse mundo com o do rock alternativo. Os artistas falam sobre manter-se humilde e somar forças na caminhada, “não faz o corre sozinho não”. Como uma resposta à faixa anterior, o refrão diz “relaxx um pouco aí, só precisa do tempo”. Essas contradições, dualidades e, porque não, mentiras, são constantes no álbum e totalmente dentro do domínio do número 2.
600202 (CUIDADO) feat. Shower Curtain
A parceria, a amizade e a coletividade transformam a pessoa. A voz doce de Shower Curtain acompanha Resp em “600202” e os dois cantam juntos a letra sobre cuidado e carinho com si próprio, os outros e a cidade. Em contraste com “2020HIDRA”, onde o sujeito clama pela raiva e pela destruição, aqui os artistas dizem “cuidado com teus desejos, tu atrai tudo que procura”. Uma sequência de áudios de Whatsapp pontuam a parte final da faixa, onde estão presentes diversas amizades e amores, colaboradores deste trabalho.
OSASCO feat. Katze
Outra faixa que mostra a influência do hip-hop e do R&B neste álbum, em “Osasco” o beat é “Sugah Daddy”, do norte-americano D’Angelo. Em tema que se conecta com “CWCG”, Resp canta o poema original da amiga Isabelle Eller, sobre sentir-se preso à uma persona criada em relação a sua cidade natal, “onde Osasco acaba também acabo eu”. A protagonista busca o Sol como forma de libertação. Katze soma cantando sobre vícios e fugas, predominantemente na madrugada, também ligando a noite a uma falta de resolução. Ambos parecem se livrar das angústias no fim dos refrões, da maneira mais direta possível: “parei com esse som igual cansei de ti”, eles cantam.
NA PELE 2X
Faixa que deu nome ao disco. Resp canta sobre karma, sobre receber duas vezes algo feito a alguém. A força da repetição é o que tira uma situação do domínio do acaso, e também gera aprendizado. Apesar dos significados, esta é uma canção de amor simples. Para o autor, amar equivale a morrer, porque é inevitável se desapegar da pessoa que você já foi pra que seja possível conviver com outra, e a morte física seria o maior amor, por ser a única certeza no absurdo da vida. A letra então, em forma de carta, tem como destinatário M., de Morte.
SOU DE SOL
O encerramento oferece desapego, dizendo que “sempre é melhor soltar”. Essa força de mudança relacionada ao Sol contrapõe os temores e profundidades da Lua, que domina boa parte dos temas de “2x”, e oferece uma resolução simples e direta, intenção presente na curta duração da faixa e na instrumentação mais simples de todo o projeto.